04/06/2017

Só as mães são felizes

Cristiane Gercina
do Agora

Uma mulher resgatou o filho da cracolândia, só as mães fazem isso; impossível não pensar em mim, nas meninas e na minha mãe

Inspirado nos escritos do norte-americano Jack Kerouac, o cantor e compositor Cazuza cantou, em versos censurados, que só as mães são felizes. Essa frase foi a escolhida para dar título ao livro em que sua mãe, Lucinha Araujo, relata a vida do filho único à escritora Regina Echeverria.

O gênio Cazuza tem toda razão, e uma reportagem desta semana despertou em mim, mais uma vez, essa certeza. Paulo Henrique de Oliveira, 35 anos, morador da cracolândia, pediu ajuda a diversas autoridades para sair das ruas e das drogas. Não teve ajuda de ninguém, mas seu relato foi publicado pela "Folha de S.Paulo" e lhe rendeu o resgate que tanto queria: sua mãe, uma mulher de 55 anos, do interior de SP, veio ao seu encontro.

Não pude conter as lágrimas ao ler a reportagem do meu colega Rogério Pagnan. Não as contive, principalmente, porque o que tenho ouvido sobre os moradores da cracolândia nos últimos dias é desumano. Os "cidadãos de bem" desta metrópole querem que os "zumbis" do centro sejam exterminados, presos à força ou qualquer outra coisa que acabe com o que chamam de "câncer".

Na realidade, não contive as lágrimas porque sou mãe. E senti na pele o quanto deve ser difícil para essa mulher ter visto seu filho entrar no mundo das drogas e sumir de casa, deixando não apenas ela, mas um filho pequeno também.

Senti na pele todo o preconceito com o qual ela deve ter sido olhada por tantos anos. Senti na pele o quanto a sua culpa materna deve tê-la levado a achar que falhou como mãe. Por fim, senti na pele a felicidade e a esperança dela ao levar o filho de volta para casa.

Não tive como não pensar na relação das mães com os filhos, na relação que eu terei com minhas filhas e nas diversas vezes em que minha mãe me resgata de tantas dores. Confesso que, na última semana, em meio a crises pessoais, pensei seriamente no quanto a cama que minha mãe prepara é mais macia, em quanto sua comida é mais gostosa ou em como uma frase dela pode mudar o meu dia.

A reportagem me trouxe uma certeza: minha mãe será a única capaz de ir até o fundo do poço por mim. E eu serei a única capaz de ir até o fim do mundo por minhas filhas.

Porque mãe reclama, mãe dá bronca, mãe diz que está exausta, que vai sumir de casa, que vai largar tudo, mas é feliz. Porque mãe critica, manda levar blusa, diz que não está sendo ouvida, que não é amada e faz um drama enorme, mas são os únicos seres na face da Terra capazes de ser felizes pelos filhos, mesmo eles estando em situações desumanas.

Confirmar que só as mães são felizes é um alento. Porque eu sei que, por mais que eu sofra, a felicidade vai prevalecer.

Dica de leitura

Criar meninas e meninos que respeitem os direitos das mulheres é um dos ensinamentos do livro "Para Educar Crianças Feministas - Um Manifesto", de Chimamanda Ngozi Adichie (Cia. das Letras, 94 págs., a partir de R$ 116,70). Com leveza, o livro fala da responsabilidade das mães nesse processo de respeito, sem deixar de lembrar que ser mãe é uma dádiva.

Cristiane Gercina, 37 anos, é mãe de Luiza, 10, e Laura, 4. Graduada e pós-graduada pela Unesp, é editora-assistente de Grana do Agora. É apaixonada pelas filhas e por literatura.

Quem quiser fazer sugestões, enviar ideias e dividir experiências pode mandar um e-mail para cristiane.gercina@grupofolha.com.br. Dúvidas e dicas também são bem-vindas.

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