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08/04/2012

Cony policial

Vivian Masutti
do Agora

Em 1975, quando o carioca Carlos Heitor Cony escreveu "A Noite do Massacre" (R$ 39,90, 136 págs.), reeditado agora pela Objetiva, uma onda de assaltos causava pânico em São Paulo, principalmente no Morumbi (zona sul).

Apesar de ter sido escrito em formato de cenas para o cinema, o livro rendeu um bom romance, que ainda hoje se mantém atual.

Em entrevista à coluna, o escritor, que tem 86 anos, falou sobre a importância desse trabalho e de suas preferências literárias.

Agora - "A Noite do Massacre' foi um livro especial na sua obra?
Cony - Esse livro é completamente diferente de tudo o que eu fiz. Não tem reflexão nem pessimismo. Tentei contar os fatos de forma jornalística, porque sabia que aquilo seria vertido para o cinema. Não caberiam divagações, então, eu não entrei na história. Nos meus outros livros, só tem eu.

Agora - Você o escreveu em 1975, e ele foi reeditado em 2012. A história ainda é atual?
Cony - Acho que sim, porque esse livro foi encomendado por uma produtora em uma época de muitos sequestros, sobretudo no Morumbi, em São Paulo. Havia um grupo de bandidos que ficava nas casas até de manhã para poder recolher todo o dinheiro. E me pediram uma história sobre isso. Fiz em forma de roteiro. O livro tem divisões que são "takes". Depois, a própria produtora quis lançar, com o filme, o texto. Então, tive que tirar as indicações técnicas. O filme ficou quase um ano em cartaz, com Norma Bengell, Ancelmo Duarte e Lucélia Santos, dirigidos por Antônio Calmon. Creio que não exagerei na violência, talvez só no número de mortes. Poderia ter matado menos gente. Isso era muito comum naqueles anos, como mostrou o filme "Taxi Driver" [de 1976], do Martin Scorsese. O chefe dos bandidos era um eixo subversivo, era politizado, não era um bandido comum. Quando acabou a tentativa de luta armada, esses caras já estavam nesse ramo. Houve muitos casos de ex-militantes chefiando um bando de bandidos vulgares.

Agora - Como é ver livros virarem filmes? Cite um bom livro que virou um bom filme.
Cony - Tenho uma opinião bem radical em relação a isso. Acho que um bom livro não pode ser vertido para o cinema. Não dá para pegar Balzac, Dostoiévski, Machado, não dá. São versões diferentes e até contraditórias, porque o cinema pede imagem enquanto a literatura pede reflexão.

Agora - Quais são suas influências literárias?
Cony - Jean Paul Sartre, que hoje está mais ou menos esquecido, sobretudo "A Náusea" mexeu muito comigo, junto com Machado de Assis.

Agora - E Nelson Rodrigues? Há muitos elementos rodriguianos em "A Noite do Massacre".
Cony - O Paulo Francis dizia que eu seria o irmão gêmeo do Nelson Rodrigues. Ele seria melhor nos detalhes, e eu no panorama geral. A relação do Nelson comigo seria antiga, dando ao Nelson genialidade aos diálogos sobretudo. O próprio Nelson falava que eu estava entrando no território dele, mas eu não fazia isso de propósito, tanto que eu não o considero uma influência.

Agora - Cite um bom romance policial, nacional ou estrangeiro, contemporâneo ou não.
Cony - Considero "Os Irmãos Karamazov", do Dostoiévski, um romance policial. O "Médico e o Monstro", de Robert Louis Stevenson, é outro. Dos policiais mesmo, gosto muito de "O Segredo das Joias", de W. R. Burnett, que resultou na estreia da Marilyn Monroe no cinema. Mas acho que o maior policial de todos os tempos mesmo é "Os Irmãos Karamazov".

Agora - O que você lê para relaxar?
Cony - Machado de Assis eu releio sempre. Mas estou lendo muito sobre a Segunda Guerra Mundial, especialmente diários. Não foi um autor que criou a guerra. Foi a própria vida que juntou os personagens que mataram 60 milhões de pessoas, a mediocridade, a vulgaridade deles. Podemos pensar que foi algo feito por gênios, e não foi. Se eu tivesse saúde e tempo, escreveria sobre isso. A guerra acabou em 1945 e já tem um distanciamento bem grande. Há muito maniqueísmo sobre ela, quando, na verdade, não houve bons e maus, foi tudo uma mediocridade total. O homem se tornou mais vulgar do que na Antiguidade, quando houve gente como Cícero, Platão, César, Alexandre, com uma visão especial sobre o mundo. Talvez o Churchill se afastasse dessa mediocridade, mas ele era alcoólatra e não se podia confiar muito nele. O máximo que esses homens como Hitler poderiam ser era assaltantes de joias. O César escreveu um tratado de lógica. Os outros eram ladrões de galinha que mataram 60 milhões de pessoas.

Agora - Li sobre uma tese sua de 1999 que dizia que a suposta traição de Capitu, em "Dom Casmurro", estaria relacionada a uma passagem obscura da vida do próprio Machado, que teria se envolvido com a mulher de um amigo.
Cony - Na época, a "Folha de S.Paulo" tinha tido a ideia de fazer um tribunal para julgar se a Capitu tinha ou não traído o Bentinho. Havia três advogados de defesa e três promotores. Pessoalmente, acho que reduzir o Machado a essa questão é reduzir o Machado. Para mim, o melhor livro dele foi "Quincas Borba" e não "Dom Casmurro".

Agora - E "Memórias Póstumas de Brás Cubas"?
Cony - "Memórias Póstumas" tem muita coisa que o Machado chupou de outros lugares. Ele copiou sobretudo Jonathan Swift e Howard Stern. Se você perguntar sobre os maiores livros que eu já li, eu falaria "Gulliver", do Swift, "Fausto", do Goethe, e "Dom Quixote", do Miguel de Cervantes.

Agora - No que você está trabalhando no momento?
Cony - Estou fazendo um prefácio para um livro de ensaios meus. Há um sobre o Charles Chaplin; um sobre o romance carioca, sobre Manuel Antônio de Almeida, Lima Barreto e Machado de Assis; e outros sobre Goethe, Victor Hugo, Fellini e Guimarães Rosa. Estou escrevendo uma notinha explicando que esses ensaios foram escritos em diversas épocas. Vai sair até o fim do ano ainda uma reedição de um livro que eu fiz sobre as memórias de Juscelino Kubitschek. Quando ele morreu, a Sarah [mulher de Juscelino] pediu que eu escrevesse um livro na terceira pessoa sobre o fim da vida dele, que inclui o fim da vida do JK na ditadura. A prisão dele que foi humilhante. Esse vai sair esse ano. Para os meus 86 anos, está bom, né? Enquanto o mercado quiser, eu vou escrevendo. Mas não tenho vontade nenhuma. Minha vontade seria ir para uma praia pescar. Já deveria estar quieto no meu canto de pijama, mas vou enfrentar uma feijoada amanhã, que é aniversário do meu motorista.

Vivian Masutti, 25 anos, é jornalista formada pela Cásper Líbero e bacharel em letras pela Universidade de São Paulo - vivian.masutti@grupofolha.com.br

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