Tentando dar conta de tudo

Eu gosto de avistar o pôr do sol, de ficar em silêncio e de respirar devagar, mas a vida não para; e para não pirar, eu faço listas

Deixar um cobertor no carro. Falar com a designer que faz artes para festas juninas. Fazer saia de arco-íris para o balé. Não chegar atrasada no balé. Dar um jeito para que alguém faça a tarefa de casa à noite com a Luiza. Reclamar que as reuniões da escola são sempre em um horário em que nunca consigo ir. Reclamar mesmo sabendo que nada vai mudar.

Mandar WhatsApp para a fonoaudióloga desmarcando a sessão. Lembrar de pedir o WhatsApp da psiquiatra. Reclamar porque o atendimento de quinta-feira é muito ruim, pois é difícil conseguir folga. Reclamar e saber que não vai mudar. Escrever a coluna com mais antecedência. Ouvir críticas e sorrir. Sofrer porque a denúncia contra o Temer não foi para a frente. Brigar com quem não quer que você sofra porque a denúncia contra o Temer não foi para a frente. Colocar as roupas das meninas em um único armário. Redecorar o quarto delas. Conseguir concluir o projeto brinquedoteca.

Reclamar de novo para a dona da casa instalar um boxe no banheiro. Tentar resolver o problema do contrato de aluguel. Fazer um cardápio saudável para a semana inteira. Não deixar faltar alho, gás, desinfetante e carne. Comprar ração de madrugada. Não ligar para os chiliques da vizinha. Não responder aos comentários mal-educados da outra vizinha. Assistir ao filme da Maria Ribeiro. Preparar-me psicologicamente para não chorar no filme da Maria Ribeiro. Perdoar-me se eu chorar horrores. Visitar a Vanessa e a Ellen. Convidar todos os parentes por telefone para a festa de aniversário. Desistir de explicar que jornalista não tem feriado. Nem final de semana. Não chorar de cansaço. Não deixar a psicóloga esperando porque esqueci de desmarcar a sessão. Não acordar cedo quando pode dormir até tarde. Remarcar os exames do otorrino. Levá-las ao otorrino. Colocar soro no nariz das meninas pelo menos oito vezes ao dia. Arranjar um jeito de ensinar para a gata onde fazer xixi. Levar Laura para cortar o cabelo. Cortar eu mesma o cabelo da Laura. Separar fotos para a retrospectiva. Preparar o café da manhã. Fazer almoço. Todo dia. Conversar ainda mais com as meninas no carro no trajeto da escola. Voltar a Laura para a natação. Matricular-me em uma atividade física e frequentar as aulas. Fazer a dieta low carb. Achar que a dieta low carb é necessária. Acabar com o medo de tomar furo. Sorrir para gente que diz: "Delegue", depois de ter delegado tudo. Beber sozinha, porque eu sou a minha melhor companhia. Não chorar por gente que vai embora. Entender que as pessoas podem me odiar. Voltar a acreditar no amor. Deixar um cobertor no carro.

Cristiane Gercina, 37 anos, é mãe de Luiza, 10, e Laura, 4. Graduada e pós-graduada pela Unesp, é editora-assistente de Grana do Agora. É apaixonada pelas filhas e por literatura.

Quer ver o desenho do seu filho publicado na coluna? Envie-o para o e-mail colodemae@grupofolha.com.br com nome completo e idade da criança, nome do responsável e celular do responsável.