Joia nacional

Quando em 1941 ingressou no curso de direito da Faculdade do Largo de São Francisco, onde conviveu com as rodas literárias da época, a escritora Lygia Fagundes Telles, hoje com 92 anos, ouviu da mãe que ficaria "solteirona, velha e desdentada". Respondeu:"Mamãe, deixa que me arrumo" e, para a sorte da literatura nacional, seguiu em frente mais preocupada com ideais do que com afazeres domésticos."

"Eu queria mostrar que a mulher, no Brasil, não precisava ser rainha do lar. Foi bonita a luta. E foi uma luta muito heroica e desesperada para mostrar que a mulher pode ousar tudo sem perder a sua dignidade", disse Lygia, durante discurso que causou comoção, em uma homenagem no fim de 2015.

No último dia 3, a escritora foi escolhida pela União Brasileira de Escritores para ser a indicada do país ao Nobel de Literatura deste ano. Apesar da importância, a indicação não significa que Lygia esteja perto de ganhar o prêmio.

Ariano Suassuna, Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar já tiveram seus nomes sondados. Nenhum deles levou o prêmio. O grande feito de Lygia é ser a primeira mulher brasileira a entrar nessa lista. Ficarei feliz se estiver errada e ela se tornar a 15ª mulher escolhida pela Academia Sueca.

Porque Lygia possui com toda a dignidade o caráter da literatura nacional que desejava Machado de Assis (1839-1908). Suas obras tratam de gente comum ao mesmo tempo em que evidenciam a matéria-prima da alma. Em uma das mais recentes, "O Segredo e Outras Histórias de Descoberta" (R$ 27,90, 64 págs., Cia. das Letras), de 2012, a universalidade de sua prosa está em cinco contos que partem do ponto de vista de uma criança e têm em comum a descoberta e a perda de ilusões.

Recomendo ao leitor de primeira viagem começar por "As Meninas"(R$ 44,90, 304 págs., Cia. das Letras), de 1973. Alternando focos narrativos para contar a história de três amigas, Lygia levou os principais prêmios do país ao captar as diversas vozes que tentavam falar à época.

Vivian Masutti, 30 anos, é jornalista formada pela Cásper Líbero e bacharel em letras (português e francês) pela Universidade de São Paulo, onde também cursou a Faculdade de Educação e obteve licenciatura plena em língua portuguesa. No Agora, é editora-assistente do caderno "Show!" - vivian.masutti@grupofolha.com.br

Leia mais

• Mestre dos mestres
• A Arte da Guerra
• Livros no Oscar
• Cifras literárias
• O poeta da guerra