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Alunos mobilizam Guarujá a mudar nome de avenida
Tatiana Cavalcanti
do Agora
Quando os alunos do 5º ano da Escola Municipal Professora Myriam Terezinha Wichrowski Millbourn, no Guarujá (86 km de SP), descobriram, em junho, que uma das principais avenidas da cidade levava o nome de um traficante de escravos e suposto assassino, decidiram tomar uma atitude.
Ronny Santos/Folhapress |
Alunos do 5º ano e a professora Ademara Santos da Escola Prof. Myriam Terezinha Wichrowski Millbourn |
Os estudantes reuniram 500 assinaturas a favor da mudança e protocolaram o documento na Câmara, que deu o primeiro passo, na última terça-feira, a favor da reivindicação dos estudantes.
O pedido dos 23 alunos da turma e da professora que encabeça o projeto, Ademara Santos, 40, é para que a avenida Leomil, no centro, passe a se chamar 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra.
"Os alunos e eu ficamos indignados com a homenagem a um homem que escravizou negros quando já era prática proibida no Brasil, e ainda assassinou um marinheiro inglês que iria denunciá-lo. Nossa intenção é corrigir uma injustiça histórica", diz a professora. Quem descobriu a história não foi ela, mas os alunos, dentro do projeto Se Essa Rua Fosse Minha.
A ação recebeu elogios e também duras críticas na internet - um dos alunos chegou ouvir injúrias raciais de um vizinho contra o projeto.
"Recebemos críticas, mas tivemos coragem de seguir adiante e fomos até a Câmara protocolar nosso pedido, coisa que muito adulto não faz", afirma o estudante Murilo da Silva França, 11 anos.
Julgamento
Segundo informações da Câmara, o fazendeiro português Leomil era conhecidamente um traficante de escravos, mesmo após a proibição da prática, em 1850.
Foi acusado de matar um marinheiro inglês que iria denunciá-lo e julgado inocente do homicídio, o que causou revolta na cidade.
"Ele vendeu todos os seus bens e fugiu para o exterior", diz a estudante Nirvana Caroline Goes Costa, 11 anos.
Quando Leomil voltou ao Brasil, após um ano, explica Lívia Valentin Germano, 10, construiu uma ferrovia na avenida que o homenageia.
"Parece que só porque ele trouxe algum desenvolvimento para a cidade foi perdoado pelos crimes do passado. É um absurdo", diz ela.
Câmara aprova projeto de lei que abre caminho para alteração
A mobilização dos alunos surtiu efeito na Câmara do Guarujá, que aprovou, na última terça-feira, um projeto de lei que prevê permissão para substituir nomes de ruas e avenidas nos quais o homenageado seja reconhecido pela defesa ou exploração de mão de obra escrava ou tenha se envolvido em crimes de violação de direitos humanos na ditadura militar (de 1964 a 1985).
A lei atual dificulta a mudança de nomes de rua. Prevê que é preciso da aprovação de dois terços de quem mora ou trabalha na via.
O projeto é da vereadora Andressa Sales Strambeck da Costa (PSB), que apresentou a proposta após saber do desejo dos alunos da escola. "A ação dessa professora e da escola promovem a sensação real de que podemos mudar o que está errado, traz perspectiva de futuro", disse ela.
O projeto deve ser sancionado pelo prefeito Valter Suman (PSB), segundo Andressa, que é do mesmo partido dele. Se isso ocorrer, será possível apresentar outro projeto que, efetivamente, preveja a mudança do nome da avenida Leomil para 20 de Novembro sem precisar da assinatura de dois terços de que mora ou trabalha por lá.
O presidente da Câmara, Edilson Dias de Andrade (PT), concorda. "É um demérito para nossa cidade ter uma homenagem a uma figura que é reconhecida pelo tráfico de escravos."
Pais ajudaram crianças a colher assinaturas
A ação da professora mobilizou os pais a pedir assinaturas no abaixo-assinado a vizinhos, parentes e amigos. O projeto, e mesmo as críticas, os aproximou.
"Esse aprendizado todo desabrochou neles o espírito de cidadania", diz a dona de casa Maria Cleia Souza, 63, avó de Arthur Ferreira, 11.
"Descobri dons que não sabia que meu filho possuía", diz a dona de casa Vanessa Viana, 37, mãe de Murilo da Silva França, 11, que adaptou a cantiga "Se Essa Rua Fosse Minha" à história do português Leomil.
A dona de casa Mônica Melo, 37 anos, mãe de Iago Vitor Veloso, 10, fala sobre a transformação que o projeto causou no garoto.
"Houve críticas desrespeitosas que até fizeram minha pressão subir. Mas meu filho foi quem me acalmou e disse que ele iria terminar o que começou. Foi uma transformação para os alunos e para as famílias", conta a mãe.
Comerciantes dizem ser contra mudança
Moradores e lojistas da avenida Leomil são contra a mudança de nome.
O comerciante Alison Bonassini, 23 anos, que trabalha na Sodiê Doces, naquela via, calcula queda de mais de 50% das vendas no período do verão, entre dezembro e fevereiro, se o nome mudar.
"Vai afetar vendas. Também teremos prejuízo de uns R$ 2.000 com flyers (panfletos) que temos agora e vamos ter que jogar no lixo por conta da mudança", diz ele.
A atendente Ana Paula Jesus Santos, 33, concorda. "Acho que não tem necessidade de mudar o nome da rua. Sou negra, mas não concordo. Para que remoer as feridas do passado? Vai impactar o comércio e até a vida dos moradores, porque vai gerar muita burocracia e até confusão", analisa.
A matemática Regina Maria de Sá Ferreira Braga, 68 anos, diz que o nome da avenida já está consagrado. "Vai atrapalhar a vida dos idosos e ainda vamos ter que pagar caro para mudar", afirma.
Especialista elogia a iniciativa
O professor de direitos humanos e de direito constitucional Flávio de Leão Bastos Pereira, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que dar o nome de Leomil a uma avenida no Guarujá é o mesmo que nomear uma via de Adolf Hitler na Alemanha". "A mensagem que passamos é que escravidão e assassinato são exemplos a serem seguidos", afirmou.
Para ele, há resistência de parte da população em manter o nome da avenida porque "o brasileiro, infelizmente, pensa primeiro no que é útil para ele, se vai ou não ter prejuízo". "No geral, não tem interesse nos traumas do passado. Isso impede o desenvolvimento do pensamento crítico e que a verdade seja exaltada. Com isso, as novas gerações deixam de conhecer o passado, que corre o risco de ser repetido."
Para ele, a falta de memória no país é responsável pela desigualdade social que afeta, em especial, negros.
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